Ligação de CR7, apagão, medalha e viradas: a cruel derrocada do Botafogo
“Há coisas que só acontecem ao Botafogo”. A frase que virou folclore no futebol brasileiro foi cunhada justamente por um alvinegro, o escritor e jornalista Paulo Mendes Campos (1922-1991), na crônica O Botafogo e Eu, de 1957. Quase sete décadas depois, o lema parece ter alcançado sua expressão mais sádica no Campeonato Brasileiro de 2023. Na última quarta-feira, 29, o Botafogo chegou ao gol aos 51 minutos do segundo tempo, mas levou o empate em 1 a 1 do Coritiba na sequência e viu a chance de título ficar ainda mais distante.
Depois de liderar por incríveis 31 rodadas e com larga vantagem, o alvinegro entrou em uma infinita crise que culminou em derrocada na reta final. Entre o início avassalador e o fim deprimente, o time que não conquista o nacional desde 1995 viveu episódios marcantes na campanha. Para traçar uma linha do tempo do fracasso, PLACAR elencou os principais momentos – bons ou ruins – do Botafogo neste Brasileirão. Confira a cronologia:
Primeiro turno mágico (abril a agosto)
Dentro do coração botafoguense, a expectativa era de um ano positivo. Com investimento da SAF liderada pelo americano John Textor e orgulho resgatado após 2022 consistente, nem mesmo o Campeonato Carioca ruim afetou a crença no projeto esportivo. E dentro de campo, especialmente no chamado tapetinho, o novo gramado sintético do Nilton Santos, as coisas funcionaram.
Avassalador, consistente e oportunista, o desempenho levou o torcedor à loucura. Sob comando do técnico português Luís Castro em maior parte do primeiro turno, o Botafogo fechou a etapa inicial da competição com larga vantagem. Em 19 partidas, esbanjando confiança, foram 15 vitórias, dois empates e duas derrotas. Tiquinho Soares voava, enquanto os rivais patinavam. Todos os fatores então somados resultaram em 13 pontos de vantagem após a 19ª rodada, para delírio de qualquer amante da Estrela Solitária.
A ligação de CR7 (junho)
A roda girava perfeitamente em General Severiano e nada parecia poder abalar o que parecia feito para dar certo. Até Cristiano Ronaldo aparecer como vilão, em episódio digno de “só acontece ao Botafogo”. O astro português de incontáveis glórias, atiçado a conquistar mais, desta vez no Al-Nassr, da Arábia Saudita, viu em Luís Castro o nome certo para comandar o projeto no mais novo centro potente do futebol. CR7 telefonou para o compatriota e sondou a possibilidade de ter o técnico do brilhante Botafogo. Naturalmente, Castro balançou e não tardou a anunciar sua saída, dia 30 de junho, para revolta do torcedor alvinegro.
Caçapa e o “cheirinho” (julho)
Esse aqui é clássico pic.twitter.com/1nRE2IYbIZ
— Pintou notificação é gol do Ronyelson (@Centralrony7) November 15, 2023
Uma solução caseira do “grupo Textor” foi a escolha do momento, enquanto um novo nome era buscado para assumir o comando definitivo. Cláudio Caçapa, ex-jogador, foi o responsável por tapar o buraco deixado por Castro. Nas quatro linhas, eficiência total, capaz de cativar e dar a sensação de que a campanha não era fogo de palha. Em quatro jogos, quatro vitórias. Uma delas contra o Grêmio, que ameaçava crescente na busca pelo Fogão, em plena Arena do Grêmio. Neste dia, o primeiro elo de decepção aconteceu, quando Caçapa falou à imprensa que “já estava dando cheirinho” de campeão.
O desastre Bruno Lage (setembro)
Ainda que o aproveitamento de Caçapa tenha sido brilhante, Textor manteve o plano de ter um nome de peso no comando do projeto. Bruno Lage, português de passagens por Benfica e Wolverhampton, chegou ao Brasil com uma única missão: manter a sequência conquistada no início do torneio. A largada do trabalho ainda animou, com 10 partidas sem derrota e segurança na tabela. Tudo ruiu, porém, a partir de declarações e escolhas desastradas do treinador, mesmo em um momento de alta. A tempestade invadiu o Nilton Santos e a trajetória de Lage foi o início da derrocada, especialmente pelas quatro derrotas e um empate nos cinco últimos jogos. O fato de ter deixado o artilheiro Tiquinho Soares na reserva revoltou o elenco, que exigiu sua saída.
É campeão? Era do remo (1º de novembro)
Mais uma tentativa de solucionar o problema dentro de casa e agradar o elenco fez o ex-jogador Lúcio Flávio ser o eleito para a beira do campo. Seguindo a linha do fracasso iniciada anteriormente, o rendimento despencou junto aos resultados. No retrovisor, o que parecia distante até se aproximou, mas a inconsistência dos rivais tranquilizava. Até uma virada de chave palmeirense, impulsionada por um desentendimento bizarro. Em homenagem ao atleta do remo Lucas Verthein, medalhista de ouro nos jogos Pan-Americanos, antes de confronto contra o Palmeiras, a torcida puxou o grito de “é campeão”. A falha de comunicação serviu como gasolina para o Palmeiras, especialmente para o prodígio Endrick. Mesmo saindo perdendo por 3 a 0 no confronto direto, aplicou uma virada histórica por 4 a 3 em pleno Nilton Santos. Naquele momento, o título saiu das mãos alvinegras e ficou solto. John Textor terminou o jogo denunciando corrupção na CBF.
Tropeços inacreditáveis (início de novembro)
A impressionante virada sofrida contra o Palmeiras foi seguida de derrota para o Vasco e por mais um roteiro doloroso. Longe do “tapetinho”, o Fogão recebeu o Grêmio em São Januário e começou a partida afastando as especulações de crise, com direito a 3 a 1 no início do segundo tempo. Mas, em mais um jogo sádico para a torcida, o Botafogo sucumbiu. Em 20 minutos, o time de Lúcio Flávio viu o astro Luís Suárez colocar o jogo no bolso, marcar três gols e castigar o torcedor botafoguense com mais uma virada inacreditável.
Sai Lúcio Flávio, entra Tiago Nunes (16 de novembro)
Não mais líder, o Botafogo tentou chacoalhar a situação e partiu para mais um treinador. Desta vez, Tiago Nunes deixou o Sporting Cristal, do Peru, para tentar apaziguar o tremor e conduzir a equipe ao título, que ainda era possível. Já na estreia, pagando jogo atrasado que poderia recolocar o Fogão na briga, a primeira decepção. Empate em 2 a 2 contra o Fortaleza e a realidade escancarada de que o título havia sido uma verdade do passado.
Gols no fim e jejum mantido (fim de novembro)
Não tem religião, karma, roteirista. Absolutamente nada explica de verdade. O vídeo é autoexplicativo demais.pic.twitter.com/OPkc9Rqcjg
— Victor Pozella (@pozella) November 30, 2023
O maior problema do time passou claramente a ser psicológico e qualquer chance de retorno à briga escapou pelas mãos nos duelos contra Santos e Coritiba. Em pleno Nilton Santos, mais uma vez, o Fogão decepcionou ao sair na frente do Peixe e, aos 45 minutos do segundo tempo, sofrer o empate. Dias depois, contra o já rebaixado Coritiba, um roteiro ainda mais deprimente, com direito a gol marcado aos 52 minutos da etapa final e empate na sequência, para traumatizar todo e qualquer torcedor. A esperança matemática do título ainda existe, mas é difícil supor que o time consiga reagir nas duas rodadas finais. Quem sabe, agora na tristeza, reste aos alvinegros confiar no lema: tem coisas que só acontecem ao Botafogo.
Fonte: esporte.ig.com.br